quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Saúde pública

Lúcio era corretor de imóveis. Quer dizer, ele se dizia corretor de imóveis. Dizer, no entanto, para ele, era algo que não necessariamente correspondia à vida prática. Por exemplo, esta situação. O Lúcio de fato possuía carteira profissional de corretor e cadastro numa imobiliária da cidade, o que o qualificava como corretor de imóveis. Seu irmão Marcos, no entanto, insistia que ele só poderia ser considerado corretor caso vendesse ou alugasse algum imóvel, o que Lúcio decerto não fazia.

Haviam diversas razões para isso. Uma delas é que Lúcio não precisava. Afinal de contas, morava com os pais. Além disso, todo início de mês a mãe depositava em sua conta uma quantia suficiente para os gastos emergenciais. As outras despesas resolvia com o cartão de crédito do pai.

Lúcio passava o tempo a bater papo. E, batendo papo, tornou-se autor de teses muito famosas na cidade. Uma dessas teses dizia respeito à saúde pública. Para Lúcio, saúde pública só deveria existir para os ricos. Os pobres deveriam arcar com os custos dos seus tratamentos.

- É simples. Se você tivesse que emprestar dinheiro para alguém, quem você preferiria? O cara que vai te pagar parcelas mensais durante toda a vida ou aquele que vai ficar todo mês te pedindo dinheiro?

As teses do Lúcio começavam com um ar complexo, quase indecifrável, mas sempre curioso.

- De um lado você tem o cara que paga imposto todo mês e dá dinheiro pro governo. Do outro você tem o cara que não paga imposto e vive precisando do governo pra tudo. Pro governo, é melhor que esse cara morra, porque aí dá menos prejuízo.

E essas teses concluíam sempre a deixar o interlocutor confuso.

- Você diz isso porque está bêbado ou porque é um idiota?

O complicado é que em diversas ocasiões o Lúcio acabava encontrando alguém que concordava com suas teses. Surgiam dali sempre grandes movimentos reivindicatórios que concluíam seus trabalhos na ressaca do dia seguinte. Outras vezes, suas opiniões geravam polêmicas quase sem fim.

- Pro governo não é melhor o cara morrer não! Até porque quem sustenta ele é o outro, que paga imposto! O governo só mantém o cara vivo pra ele continuar elegendo os políticos mais safados que existem aí!

Uma vez, sentou na mesa um anarquista, que, horrorizado, jogou na cara do Lúcio: - O governo sustenta o cara vivo pra ele poder trabalhar quase de graça pra quem tem grana! O governo só existe pra sustentar quem tem grana, Lúcio!

Mas o Lúcio, graças a Deus, não é bobo de cair em papo de anarquista.