quinta-feira, 21 de maio de 2009

Das bocas unidas

E inda das bocas unidas resta-se o espanto,
li-nos
E inda das bocas unidas resta-se a estranheza,
E inda das bocas unidas resta-se o silêncio
após o beijo...
E inda das bocas unidas resta-se a história,
E inda das bocas unidas resta-se o passado,
E inda das bocas unidas resta-se um elo...
E inda das bocas...
resta-se os lábios,
hoje secos.

Não mais nessas bocas vejo reticências...
Sobram-se pequenos desentendimentos,
Sobram-se curtos contra-argumentos,
Sobram-se agora os ois e tchaus,
se restam...

Deus, que triste adeus...
Quisera eu que essas (belas) bocas unidas
Continuassem a beijar-se eternamente...

Mas inda das bocas unidas resta-se os olhos,
Que se abrem após o beijo e se cruzam,
Numa calma despedida quase brusca,
Mas se fecham, tentando despistar.

icarai, fevereiro, 1999, inspirado na obra do poetinha

domingo, 10 de maio de 2009

Pedro e Maria - Como comer porcarias

O Pedro tem uma mania esquisita: todo dia ele faz questão de cozinhar a comida que irá comer. Maria, coitada, não se cansa de tentar fazê-lo mudar de idéia, mas é sempre em vão. Para o Pedro, refeições precisam ser saudáveis.

– Vamos almoçar? Quero um BigBurgão Duplo!

– Pode ser, o que você tem de comida na sua casa?

– Não sei, mas eu não quero comida. Eu disse que quero um BigBurgão Duplo.

– É, Maria, mas isso não faz bem, né?

– É, Pedro, mas e daí?

Basta o assunto vir à tona que as brigas começam em seguida. A Maria não entende como o Pedro pode ser tão displicente com a sua preguiça.

– Você já parou pra pensar quanto tempo você gasta pra fazer comida?

– Pois é, mas eu não consigo fazer de outro jeito.

– Sério: você perde uma hora fazendo compras e até duas horas cozinhando. Isso pode chegar a três horas num só dia. Isso não faz o menor sentido!

Quando a Maria está naqueles dias, o problema se agrava ainda mais.

– Poxa, Pedro! Tudo o que eu queria era um hambúrguer! Você não me dá atenção nunca!

Mas o Pedro também não é daquelas pessoas mais fáceis de se lidar não. Quando ele pega a panela de jeito, não há quem tire da mão dele.

– Sai daqui, Maria! Ou eu acabo de fazer esse creme de maçã ou acabo com você!

Diante de todo esse radicalismo, muita gente aposta que os dois vão acabar brigando de vez. Eu, sinceramente, acho que não. Até por conta de outras situações que também acontecem.

– Ai, Pedrinho, só você pra fazer um creme tão gostoso!

terça-feira, 5 de maio de 2009

Choque de vida

Remexendo coisas antigas, jogando papéis fora. Algumas coisas precisam ser guardadas. Na minha estranha cabeça, eventos recentes e antigos ficam todos amontoados, meio sem meio, meio sem fundo, meio assim sabe?

Pois é. Eu também não sei. Da mesma forma que a minha cabeça fica assim, minhas coisas seguem o mesmo padrão. O tíquete cortado do metrô que era pra entregar no ônibus está junto com um extrato do banco de 2001. Entre ambos, um rabisco com 3 versos que talvez pudessem se transformar num poema: "Vejo-te longe do meu lugar / quero-te perto / como (?)"

Ok, são dois versos e meio, mas isso não interferirá em nosso assunto.

Sempre jogava as coisas em qualquer lugar. Depois não procurava. Guardava porque era importante e não mexia porque não era relevante, ou urgente. Urgente era a nova idéia, a nova etapa, a nova moda, o novo anseio, o novo sonho, o novo surto (por que não?), ou qualquer coisa que ainda não tivesse me enjoado.

Algumas destas coisas duravam um bom tempo em cima da estante - que é onde fica a bagunça do momento. O tempo que elas duravam ali não era pré-estabelecido; dependia da sua importância para mim naquele momento. Invariavelmente, mais cedo ou mais tarde, era guardado. Daí que faz sentido ver um recibo de táxi de 2003 junto a um poema de 1999. A falta de critério impera.

Mas o motivo de eu estar escrevendo não diz respeito ao coletivo das coisas perdidas. Diz respeito a um papel específico, uma carta, da qual recortei alguns pedaços:

"André, já que você fala tanto que gosta de escrever, eu acabei ficando com vontade também. (...) Tava pensando (pra variar) na diferença entre prosa e poesia. A vida de um poeta é uma moderna poesia: sem métrica, sem limites, sem regras. A poesia é o grito da alma. Nela (como no teatro) você vive o que quiser, sem precisar reprimir ou conter nada, o sentimento apenas flui. Pena que o mundo nos queira com prosa. Mas aí, a gente finge que não vê e se faz de prosa pra escrever poesia.

"Não entendo como você, sendo poeta, consegue se encucar tanto com a vida. Desencana que a vida é bela, e é pra ser vivida. Não adianta tentar programar e entender a vida como algo racional. É tão bom quando algo de inesperado acontece, são esses momentos que fazem a vida ficar mais gostosa. Pense muito, escreva bastante, mas antes de tudo viva. Sem medo de ser feliz. Sem medo do inesperado. A vida é a maior de todas as escolas."

Pois é, o que é que eu poderia dizer depois de ler isso? De cara, houve um silêncio. Depois, alguns palavrões. Foram necessários 10 anos pra entender o que estava escrito nessa carta. E a carta aparece logo agora nesse período em que a Monique me sacaneia por não estar postando no blog. Relê-la foi de fato fantástico. Mexeu com os brios. [acrescente-se música de triunfo incidental] Amigos, eu juro: jamais passarei quatro meses sem postar novamente! [fade out, a música triunfal celebra o momento]

Em viagem

Às vezes, viajando de um lugar para outro,
Deixamos para trás pessoas queridas

Se a proximidade é breve
E a distância, longa
A despedida quase sempre ganha ares de adeus

A saudade é decorrência da partida
Mas, no entanto, ela nunca parte
Ela não se parte
E permanece inteira dando a cada palavra dita
Um peso e uma força que não se ousa pensar.

Os que ficam se reúnem,
Se abraçam,
E vêem longe
O horizonte consumir aquele que os deixa

Se a lágrima cai, é consequência
Do contrário, ela se guardaria e se protegeria num coração endurecido
Ansiando o instante de um novo encontro 
Para então se libertar num abraço afetuoso

goval://bnhsaopedro.nascimento.andre.luis.do/25.12.2008