terça-feira, 5 de maio de 2009

Choque de vida

Remexendo coisas antigas, jogando papéis fora. Algumas coisas precisam ser guardadas. Na minha estranha cabeça, eventos recentes e antigos ficam todos amontoados, meio sem meio, meio sem fundo, meio assim sabe?

Pois é. Eu também não sei. Da mesma forma que a minha cabeça fica assim, minhas coisas seguem o mesmo padrão. O tíquete cortado do metrô que era pra entregar no ônibus está junto com um extrato do banco de 2001. Entre ambos, um rabisco com 3 versos que talvez pudessem se transformar num poema: "Vejo-te longe do meu lugar / quero-te perto / como (?)"

Ok, são dois versos e meio, mas isso não interferirá em nosso assunto.

Sempre jogava as coisas em qualquer lugar. Depois não procurava. Guardava porque era importante e não mexia porque não era relevante, ou urgente. Urgente era a nova idéia, a nova etapa, a nova moda, o novo anseio, o novo sonho, o novo surto (por que não?), ou qualquer coisa que ainda não tivesse me enjoado.

Algumas destas coisas duravam um bom tempo em cima da estante - que é onde fica a bagunça do momento. O tempo que elas duravam ali não era pré-estabelecido; dependia da sua importância para mim naquele momento. Invariavelmente, mais cedo ou mais tarde, era guardado. Daí que faz sentido ver um recibo de táxi de 2003 junto a um poema de 1999. A falta de critério impera.

Mas o motivo de eu estar escrevendo não diz respeito ao coletivo das coisas perdidas. Diz respeito a um papel específico, uma carta, da qual recortei alguns pedaços:

"André, já que você fala tanto que gosta de escrever, eu acabei ficando com vontade também. (...) Tava pensando (pra variar) na diferença entre prosa e poesia. A vida de um poeta é uma moderna poesia: sem métrica, sem limites, sem regras. A poesia é o grito da alma. Nela (como no teatro) você vive o que quiser, sem precisar reprimir ou conter nada, o sentimento apenas flui. Pena que o mundo nos queira com prosa. Mas aí, a gente finge que não vê e se faz de prosa pra escrever poesia.

"Não entendo como você, sendo poeta, consegue se encucar tanto com a vida. Desencana que a vida é bela, e é pra ser vivida. Não adianta tentar programar e entender a vida como algo racional. É tão bom quando algo de inesperado acontece, são esses momentos que fazem a vida ficar mais gostosa. Pense muito, escreva bastante, mas antes de tudo viva. Sem medo de ser feliz. Sem medo do inesperado. A vida é a maior de todas as escolas."

Pois é, o que é que eu poderia dizer depois de ler isso? De cara, houve um silêncio. Depois, alguns palavrões. Foram necessários 10 anos pra entender o que estava escrito nessa carta. E a carta aparece logo agora nesse período em que a Monique me sacaneia por não estar postando no blog. Relê-la foi de fato fantástico. Mexeu com os brios. [acrescente-se música de triunfo incidental] Amigos, eu juro: jamais passarei quatro meses sem postar novamente! [fade out, a música triunfal celebra o momento]

Um comentário:

André D'Abô disse...

andre,
primeiramente, quando começei a ler o trecho da carta e me deparei com o nosso nome escrito com o traço fundamental (quase ontológico) que nos diferencia, pensei que era uma carta escrita para mim... ufa... foi um erro de grafia de seu remetente que você (por fidelidade à fonte histórica) preferiu manter.
o conteúdo da carta é mesmo de tirar o fôlego, sobretudo, para aqueles que - como nós - tem na escrita um mal de raiz, ou uma necessidade vital.
espero que você não fique mesmo sem escrever por aqui por quatro meses. a fronteira com a solidão nestes espaços nos quais acreditamos nos conectar com o mundo é muito tênue. espero que estejas sempre por aqui... assim sei que não estarei só.
um grande abraço!