quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

2008 em poucas lições – Parte III

Frio. Sono. Angústia. O sol escaldante parecia discordar, pois chamava para um dia lindo e tranquilo. Aquilo, no entanto, não me comovia: eu permanecia inerte embaixo do edredom. Cada vez que abria os olhos, tentava alcançar um cigarro, em vão. “Eu parei de fumar” era o pensamento mágico que fazia meus olhos fecharem de novo.

Passava de três da tarde quando enfim levantei. O sol continuava lá. Lindo de dar ódio. Resolvi descer e tomar um suco. Um suco? Um suco. Antes disso, chequei o telefone e percebi algumas chamadas não atendidas. Ao retornar as ligações, descobri que o dia 2 de janeiro, ao que parece, era o dia da confraternização local. Como tradição, todos os indivíduos de bem deveriam deslocar-se para o templo que servisse o chope mais gelado daquela tarde. “Eu parei de fumar” foi a frase mágica que tornou-me pagão na religião dos meus amigos e guiou-me de volta à minha casa. Lá, após ver filmes e me divertir no computador, acabei novamente entregue ao sono avassalador dos que param de fumar.

Essa rotina durou mais ou menos uma semana. Foi numa quinta-feira, dia 10, que decidi fazer algo diferente. O Lucas me ligou numa convocação emergencial. Os amigos estavam preocupados comigo.

Em casa, refleti sobre o assunto. Esta era a décima-quinta tentativa de parar de fumar. Ninguém esperava que eu continuasse sem fumar. Estava há uma semana sem aquilo e, para as outras pessoas, parecia ser tempo suficiente. Estavam preocupados pois eu não dava mais notícias. De início eu recusei a idéia, mas um argumento quebrou todas as minhas resistências: Talita estaria lá.

Ao ouvir aquele nome, entrei em pânico. A mesma Talita que eu não beijei na festa de reveillon. Havia perguntado sobre mim para a Renatinha. A Renatinha, aliás, também estaria lá. Todo mundo estava indo pra lá. Eu ficaria em casa, por medo de fumar. É claro que não. Tomei um banho e fui.

O ambiente, para não variar, era todo pra cima. Eu mantinha em meu bolso um pequeno arsenal de balas, chicletes e chocolates. Pra contrariar o grupo, revezava entre a cerveja e o refrigerante. Estava decidido a não fumar, mas eu tinha de estar ali. Do outro lado da mesa, Talita sorria em minha direção, talvez esperando que eu tomasse alguma atitude. Eu nada. A cada momento, minha raiva por não fumar crescia. Minha raiva por não pegar Talita crescia. Eu estava prestes a explodir e algo muito feio estava prestes a acontecer.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

O meu namoro

É feito namoro como é feita a cola
E tem o mesmo efeito:
Gruda de um só jeito
Que quando se separa o corpo
A mente fica junto

É por isso que a saudade bate com algumas horas
É por isso que ela só parte depois de alguns dias
É tão meigo quanto bonitinho,
romanticozinho.

E aí lá se vai Raimundos,
Zezé di Camargo,
Love me Tender,
Lá se vai Mamonas
Tudo pra quebrar o clima
Pra ficar mais fácil
Dizer que te amo.

E assim a gente espera o novo dia.

goval://bnhsaopedro.nascimento.andre.luis.do:?22.12.2008

Ensaio #1

Uns momentos
São pequenas frações de segundo
Pedaços de sorriso
Migalhas de um beijo bem dado

Breves encontros
Que passam por horas inteiras
Duram mais que uma novela
─ Nosso quarto num mundo à parte ─

Afinal de contas, é coisa de pele
É um cheiro que vicia meu olfato
Uma boca que vicia os meus dentes
É um corpo que me gruda
Minha mente

São instantes
Que eu me torno e retorno
Que eu me perco e me acho

(e, geralmente,
nestas horas,
estou na sua nuca...)

niquiti://marisebarros.nascimento.andre.luis.do/22.08.08

domingo, 21 de dezembro de 2008

2008 em poucas lições – Parte II

1 de janeiro. Terça-feira. Meus olhos se abrem dentro de um quarto bastante escuro. Tento achar algum relógio para entender o que se passa. A única coisa que alcanço é um copo, naturalmente vazio.

Percebo que após a porta há uma luz acesa. Me levanto, fazendo algum esforço para não tropeçar. Acendo a luz do quarto, que me ofusca o suficiente para ser sumariamente apagada em seguida.

Decido então que é preciso habituar-me à claridade. Do contrário, não poderia descobrir o que acontece após aquela porta. Acendo novamente a luz do quarto, desta vez cobrindo os olhos com a outra mão. Aos poucos, a iluminação vai se tornando mais amena, até que bravamente meus olhos retomam o controle da situação.

É desnecessário afirmar que a euforia do momento durou pouco. Ao abrir a porta, nada demais havia para contemplar. O curto corredor direcionava a uma sala de estar onde dois indivíduos permaneciam sem comunicação. Um deles assistia televisão comendo restos de biscoito. O outro concentrava-se no computador.

A minha presença de alguma forma acarretou em novo ânimo. “Você está vivo!” exclamou a moça que digitava freneticamente em frente ao monitor. “Até que enfim!” foi a frase escolhida pelo rapaz no sofá. O cheiro de cigarro permanecia no ambiente. Algo ainda grudava minha sandália no chão.

“Que bom que você está animado para limpar esse chão!” A frase me deu vontade de vomitar. Nada a ver com a ressaca, no entanto, que naturalmente já havia passado. Eu não estava de frente a nenhum espelho, mas tinha certeza naquele momento que o tal ânimo mencionado em mim não era algo assim tão visível. Eu duvidava mesmo de sua existência. Mas aparentemente, eles já haviam iniciado a limpeza do ambiente e como eu estava dormindo, não pude participar. Parece que o meu sono funcionava automaticamente como uma declaração de conformidade com qualquer decisão emanada naquele processo de arrumação.

Percebi que teria de me conformar. Enquanto eu iniciava a tal limpeza, no entanto, o mesmo ânimo que eu demonstrara anteriormente agora parecia comover os meus amigos, que cada qual a seu turno decidiram me ajudar. Em breve, a iniciativa transformava-se numa verdadeira faxina promovida em trio, o que nos levou a beber algum vinho que ainda restava para comemorar. Em minha mente, uma lembrança levantava preocupação: eu havia me comprometido a parar de fumar neste ano, especificamente no dia 2. A constatação de que passava de meia-noite era um motivo extra de preocupação. Já era dia 2. Aquele cigarro que eu tragava haveria de ser o último.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Sobre pregos e marchas

E pensar que até o prego tem sua função:
No dia-a-dia é o que sustenta muitos quadros

Como a esposa
que sustenta
a tranqülidade do marido

Como o empregado
que sustenta
o bolso do patrão

Cada um tem um papel nessa construção

E todo dia é desse jeito:
Tem sempre um santo homem
Explorando um pobre pagão
É ou não é desilusão?

Se até a marcha alegre
Que se espalha na avenida
É fruto do financiamento
De um político desses da vida

Como fazer oposição?

Se o espetáculo não para,
Só vejo uma saída: é fazer recondução

Repensar nosso roteiro
E trocando a história toda
Inverter a situação

E - é claro - até o prego
vai ter sua função
Enquanto marchamos juntos
Pela nossa revolução

niquiti://nascimento.andre.luis.do/unifederalflu.asp:?000100082005

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

2008 em poucas lições - Parte I

1 de janeiro. Terça-feira. O apartamento está uma bagunça. Entre manchas de vinho, uísque e cachaça, o grude da cerveja e migalhas tornam o chão algo desgostoso de se pisar. A cabeça parece um bambolê. No quarto ao lado, dorme uma menina com um humor que não inspira que a acordemos. No que resta do lugar, alguns corpos humanos se amontoam enquanto aguardam seus espíritos que, provavelmente não estão por ali.

O telefone toca na sala. Querem saber se alguém encontrou um relógio. A cabeça parece um bambolê. Alguém me pergunta o que é um bambolê. Eu tento me lembrar do que se trata, mas parece difícil. É então que eu me lembro. Tinha um violão. Tinham muitas pessoas. Tinha uma menina. Quem era aquela menina? Ah, sim, a prima da Renata. A Renatinha! Que saudade da Renatinha! Muito bom ela ter estado aqui ontem. Mas qual era o nome da prima dela?

Joana. Não. Talita. Talvez. Marina. Puta que o pariu, eu não lembro o nome da mulher. A gente se beijou? Não, acho que não. Lembrei. Além do violão, tinha uma percussão também. Eram sambas que estavam cantando. Sandra. Sei lá. Rolou uma música do Tom Jobim. Foi nessa hora que a gente se beijou. Acho que era Talita. Talita. A gente não se beijou.

Um corpo se levanta e acorda a menina do quarto ao lado. É quando ouvem-se gritos pelo recinto. De repente, outros corpos vão se levantando, mas a impressão geral é que os espíritos continuam longe. Os gritos são dissipados pelo sono. A menina e o tal corpo voltam a dormir. Dois caras decidem procurar seus espíritos, optando por fazer isto em casa. Uma outra pessoa liga o computador procurando mensagens de ano novo.

Meu celular toca. A cabeça parece um bambolê. Alguém quer saber de um celular. Eu desligo o meu. Tenho fome e procuro alguma sobra. O nome dela era Talita. O sono me corrompe. É hora de voltar pra cama.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Outro poema em transição

Passou pelo mundo e chegou à seguinte conclusão:

Tudo o que o tempo leva
É estrada
É galho que cai no asfalto
É óleo perto dum buraco

Tudo o que se carrega
É estrada
O caminho se faz em cada passo
E a cada novo metro, nova etapa

O amor que se viveu e não honrou
A dor que não sentiu
O beijo que um dia transformou
A voz que não se ouviu

Ele não gritou
Ele consentiu
E quando chegou a hora de partir, ele partiu

Ele não voltou.

br-116://riobahia.nascimento.andre.luis.do:?22.11.08

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Poema em transição

Bueiro aberto em luz amarelada
E um boteco após a travessia
Garrafa aberta, mesa na calçada
E o papo flui em ode à alegria

Sorrisos falsos, sorrisos verdadeiros
Todos convivem em improvável harmonia
Quando se trata de beber direito
Todo bar é uma democracia

No entanto, chega sempre um momento
Em que – de fato – a noite cala
Não, não falo do fim da madrugada
Estou falando do fim de uma jornada

O papo flui, ninguém entende nada
Alguém se assusta com o abrir da padaria
Quando falo do calar da noite
Eu me refiro ao calor do dia

Pois horas e pessoas também passam
A esquina vira encruzilhada
A garrafa, parece, está quebrada

As mesas viram água ensaboada
A luz do sol ofusca a boemia
Mas nessa hora, já não interessa nada
Pois o bar reabrirá ao meio-dia

br-116://riobahia.nascimento.andre.luis.do:?22.11.08