domingo, 21 de dezembro de 2008

2008 em poucas lições – Parte II

1 de janeiro. Terça-feira. Meus olhos se abrem dentro de um quarto bastante escuro. Tento achar algum relógio para entender o que se passa. A única coisa que alcanço é um copo, naturalmente vazio.

Percebo que após a porta há uma luz acesa. Me levanto, fazendo algum esforço para não tropeçar. Acendo a luz do quarto, que me ofusca o suficiente para ser sumariamente apagada em seguida.

Decido então que é preciso habituar-me à claridade. Do contrário, não poderia descobrir o que acontece após aquela porta. Acendo novamente a luz do quarto, desta vez cobrindo os olhos com a outra mão. Aos poucos, a iluminação vai se tornando mais amena, até que bravamente meus olhos retomam o controle da situação.

É desnecessário afirmar que a euforia do momento durou pouco. Ao abrir a porta, nada demais havia para contemplar. O curto corredor direcionava a uma sala de estar onde dois indivíduos permaneciam sem comunicação. Um deles assistia televisão comendo restos de biscoito. O outro concentrava-se no computador.

A minha presença de alguma forma acarretou em novo ânimo. “Você está vivo!” exclamou a moça que digitava freneticamente em frente ao monitor. “Até que enfim!” foi a frase escolhida pelo rapaz no sofá. O cheiro de cigarro permanecia no ambiente. Algo ainda grudava minha sandália no chão.

“Que bom que você está animado para limpar esse chão!” A frase me deu vontade de vomitar. Nada a ver com a ressaca, no entanto, que naturalmente já havia passado. Eu não estava de frente a nenhum espelho, mas tinha certeza naquele momento que o tal ânimo mencionado em mim não era algo assim tão visível. Eu duvidava mesmo de sua existência. Mas aparentemente, eles já haviam iniciado a limpeza do ambiente e como eu estava dormindo, não pude participar. Parece que o meu sono funcionava automaticamente como uma declaração de conformidade com qualquer decisão emanada naquele processo de arrumação.

Percebi que teria de me conformar. Enquanto eu iniciava a tal limpeza, no entanto, o mesmo ânimo que eu demonstrara anteriormente agora parecia comover os meus amigos, que cada qual a seu turno decidiram me ajudar. Em breve, a iniciativa transformava-se numa verdadeira faxina promovida em trio, o que nos levou a beber algum vinho que ainda restava para comemorar. Em minha mente, uma lembrança levantava preocupação: eu havia me comprometido a parar de fumar neste ano, especificamente no dia 2. A constatação de que passava de meia-noite era um motivo extra de preocupação. Já era dia 2. Aquele cigarro que eu tragava haveria de ser o último.

2 comentários:

André D'Abô disse...

andre,
você deve supor que, naturalmente, eu me identifiquei muitíssimo com estes seus textos sobre as lições de 2008 - sobretudo porque estava presente na dita festa.
mas algo me diz que muitos foliões do dia 31 de dezembro terão na boca aquele gosto de cabo de guara-chuva quando ler seu texto.
abraço!

Andre Luis do Nascimento disse...

Pois é, meu caríssimo André. Não sei o que significa o gosto de cabo de guarda-chuva. Mas considere desde já que esta série de textos "2008 em poucas lições" é uma obra de ficção. Não se pretende, em nenhum momento, recriar nenhum evento específico. Quem conviveu comigo em momentos especiais deste ano certamente notará muitas semelhanças com os fatos que serviram de inspiração. No entanto, torno a dizer, os diálogos e as situações são fruto da criatividade, mesmo que parca, deste que vos escreve. Por fim, continuo sem saber o que significa o gosto de cabo de guarda-chuva. Tem algo a ver com pederastia?